Atualizado em 15 de maio, 2012 - 12:36 (Brasília) 15:36 GMT
''Você vai encontrar três rifles. Basta juntar as
peças e montar um novo, que até funciona'', conta um homem que pede para
ser identificado como Alex, enquanto nós passamos pelo matagal. Nós
estamos a caminho de uma área que foi palco de algumas semanas de
ferozes combates durante a Segunda Guerra Mundial.
Alex pediu para ser descrito como um
''escavador''. Ele nasceu e cresceu em Leningrado (atual São
Petersburgo), na Rússia. Desde que ele tinha 15 anos, começou a buscar
por ''ferro'' nos bosques. ''Todos os moradores daqui fazem algum tipo
de escavação. Alguns por interesse pessoal, outros para encontrar coisas
para vender'', afirma.
Um pequeno detalhe: todas as coisas
encontradas estão enterradas em meio a ossos. Para encontrar pertences e
conseguir dinheiro vendendo-os em mercados de produtos de segunda mão, é
preciso procurar em meio aos restos de um soldado morto.
Os mais intensos combates da Segunda Guerra
Mundial ocorreram no território que atualmente pertence a Rússia,
Ucrânia, Belarus e países do Leste Europeu.
Trincheiras intactas
Os campos e florestas que serviram como campos
de batalha foram muitas vezes deixados para trás intactos, sem que
fossem retirados destroços, bombas não-detonadas e corpos, já que não
houve tempo para que isso ocorresse.
Aqueles que realizaram escavações nestes locais são normalmente classificados como ''brancos'' ou ''negros''.
''A primeira categoria se refere a pessoas
registradas oficialmente junto a organizações não-governamentais como
realizadores de buscas. Elas recebem um visto de trabalho das
autoridades regionais onde as escavações estão sendo realizadas.
O propósito principal dos ''brancos'' é
encontrar e enterrar os restos mortais de soldados do Exército Vermelho e
confirmar sua identidade. Eles compram seus próprios equipamentos e não
recebem remuneração.
Existem diversos grupos de voluntários na
Lituânia, Letônia e Polônia. Alguns desses grupos montaram um batalhão
formado por soldados, que vistoriam as escavações.
Um batalhão especial de buscas também foi
montado na Rússia, mas o número de soldados que ganharam enterros
oficiais após as operações de buscas ocorreram, na maioria dos casos,
graças aos esforços de grupos de voluntários. Existem mais de 600 deles,
ao todo.
Os escavadores classificados como ''negros''
atuam ilegalmente. Eles encontram corpos de soldados nortos nos campos e
às vezes agem até em cemitérios militares, para ganhar dinheiro ou para
aumentar suas coleções de memorabília.
"Esta era uma única trincheira e veja, eles
tiraram tudo que podiam daqui. E jogaram fora os restos de soldados. São
saqueadores Como é que alguém pode lidar dessa maneira com os restos
mortais de pessoas que deram suas vidas por nós?", afirma o voluntário
Anatoly Skoryukov, ao me dar um exemplo do que os coveiros "negros" são
capazes de fazer.
Venda em mercados
Skoryukov gentilmente começa a juntar os pedaços
de um crânio que havia sido rompido com uma pá e outros ossos
espalhados em um raio de diversos quilômetros.
Alex, um "coveiro negro" que aceitou me levar à
floresta com ele, admite abertamente que busca o lucro ao escavar os
restos de soldados.
''Se todas essas coisas ainda estão nas
florestas, significa que somos os únicos interessados. Se os governos
acham isso importante, eles poderiam ter desenterrado tudo isso há muito
tempo", afirmou.
Os frutos do trabalho dos "coveiros negros" pode
ser visto todos os finais de semana nos principais mercados de segunda
mão da maior parte das cidades da Rússia, Ucrânia e alguns países do
Leste Europeu. É possível comprar também artigos militares na Internet.
Eles são oferecidos por centenas de sites e redes sociais.
E não faltam compradores, colecionadores
particulares e seguidores de movimentos neo-nazistas. Poucos deles estão
interessados no verdadeiro valor histórico das peças. O mais imporante
para eles é encontrar uma suástica.
"Se todas essas coisas ainda estão nas florestas, significa que somos os únicos interessados. Se os governos acham isso importante, eles poderiam ter desenterrado tudo isso há muito tempo"
Anatoly Skoryukov, escavador voluntário
Um capacete de um soldado do Exército Vermelho
pode ser comprado em um mercadinho de São Petersburgo por até US$ 25
(cerca de R$ 50). O mesmo artefato de um soldado nazista custa dez vezes
mais. Medalhas militares alemãs, como a Cruz de Ferro, chegam a custar
US$ 600 (cerca de R$ 1.184).
Nos anos 90, surgiu um mercado para armamentos
''revividos''. ''Explosivos, rifles e pistolas foram vendidos aos
montes. Ainda há muitos deles nos campos, mas eles agora têm sido
compradores somente por colecionadores. Para atirar, é mais fácil
comprar um rifle Kalashnikov novo ou alguma outra coisa em oferta. É
mais barato e confiável.
Mas ''coveiros negros'' ainda são capazes de
fazer dinheiro com munições da Segunda Guerra Mundial. Eles retiram os
explosivos de minas e de cápsulas e as vendem para caçadores e
pescadores. Estes ''explosivos amadores'' chegam a ferir e matar pessoas
todos os anos. O mínimo erro, durante a excavação pode causar uma
explosão.
Esse tipo de venda sem regulamentação de armas e
munições é ilegal na Rússia e ao desecrar covas, os ''coveiros negros''
podem pegar uma pena de prisão de até oito anos. Mas na prática, até
mesmo multas são uma raridade.
BBC Brasil
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/05/120515_coveiros_soldados_bg.shtml